quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Quem vai caber no seu porta retrato?




Aprendemos assim, a ignorar o que sentimos, passar por cima dos medos, mas havia sempre um fantasma que te perturbava, ficava ali do lado da sua cabeceira. Percebi pela marca de poeira que havia um porta retrato lá, provavelmente você só tirou porque eu estava chegando e tinha medo que eu desistisse do que estava afim de fazer. Ao menos, você me conhece, eu iria embora. 
Não entendi ainda porque fiquei tanto tempo pensando nos seus motivos e não nos meus de partir mais cedo, não era sua mãe que estava naquela foto, amor de mãe é incondicional. Era um amor mais ardente, mais forte e descontrolado. Descontrole te define. Queria ver aquela foto. Será que ela é mais bonita do que eu? Ou sou apenas um meio de distração para seu ego inflamado? Será que os olhos dela são tão claros que quase dá pra ver a alma transbordando? O que será que os meus tão avelãs têm de errado? Me questiono mais que o normal, parecia tortura, o tempo passou em 3 dias o que não voava em 3 horas.  
A questão é: você me prendeu. Eu lá, te vendo dormir e pensando, te olhando na cozinha e imaginando as intermináveis comemorações prazerosas regadas de morango, chantilly e sedução, te vendo caminhar pela sala e vendo você discutindo com ela. Era tudo ela. Aquele fantasma estava perturbando minha sanidade, principalmente por culpa da minha mania de reparar até pra que lado você torce o nariz quando um cheiro lhe incomoda. 
Seu gosto já havia me empanturrado, seu cheiro me enjoado e era de tanto pensar que eu não era prioridade e você realmente parecia não entender meus motivos. Apenas fui ensinada pra isso, desconfio da bala do estranho na rua, da carona no meio da estrada, do copo de bebida na balada, porque não desconfiaria de você? Minha armadura costuma estar sempre posta.
E sabe, fiz questão de deixar a marca da poeira no criado mudo, mas meus olhos só viam aquilo até que resolvi limpar, no meio na noite, e você acordou me olhando de uma maneira tão serena que me deixou no chão. Que horas são? O que você tá fazendo? Deixa que eu limpo. Foi o que você disse. Eu apenas respondi que nunca ia dar pra limpar e caí em lágrimas, fiquei quase louca, quase cega. Seus braços foram ao encontro do meu corpo desprotegido, queria saber o que era aquilo e o que eu tinha, precisava falar.  
Foi quando você, sem dizer nada, abriu a gaveta e colocou o porta retrato de volta no lugar, eu me recusava a abrir os olhos, mas precisava saber. 
Para minha surpresa, estava em branco. Sim, em branco, sem foto alguma, sem ninguém, e eu não entendia. Ainda bem que você foi rápido em explicar, me fazendo nunca mais voltar atrás: "Deixei em branco porque prometi que só colocaria uma foto de alguém que merecesse estar do meu lado, sendo única. Esse alguém é você." 

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